A canção “favela venceu” do cearense Don L é a mais escutada de seu mais recente lançamento, o disco “Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2”. A canção dá um novo sentido ao mote tornado famoso nos últimos anos com a ascensão financeira de seletos artistas periféricos brasileiros de funk e rap. A reapropriação da frase-título repetida no refrão ganha camadas em seus contrapontos: diferentemente do seu primeiro uso, aqui a vitória nunca é individual ou monetária - toda construção bem-sucedida é, afirma o rapper, coletiva.
Esta música agora aparece numa versão remix - se unem a Don L o novato de Fortaleza Bakkari e a unanimidade Djonga. Os MCs rimam suas versões da temática proposta em cima da mesma batida, nos moldes que os rappers norte-americanos faziam nos anos 2000.
Nesta canção, ao mesmo tempo em que o bordão julgado neoliberal por muitos é ressignificado, lhe ampliando os sentidos e possibilidades, na batida o produtor Nave Beatz recorta e altera as cantorias da versão ao vivo de “Rap das Armas” dos funkeiros Cidinho e Doca pro sucesso dos MCs Junior e Leonardo, transmutando-as em novas melodias, e as harmonizando na rítmica da jovem vertente musical chamada drill - que influencia fortemente o funk brasileiro atual. É circular. Como se pode notar neste breve parágrafo, não só o tema da música é vencer pela organização em comunidade(s), mas a própria foi pensada e realizada assim. Nada mais natural que trazer outros representantes da cultura para darem as suas visões sobre o tema - um estabelecido e outro em ascensão.
A imagem que ilustra o lançamento é um caso à parte: uma pintura do artista plástico Desali, de Belo Horizonte (MG). “A pintura que fiz pro Don L é inspirada em uma foto do Carlos Lamarca ensinando mulheres a atirar , é uma releitura para os tempos atuais”, diz ele. A obra então foi exibida em Belo Horizonte “numa instalação chamada ‘Para os Guardados’. Lá fizemos uma rifa, e o dinheiro arrecadado foi destinado para a AMPARAR, que é uma ONG de apoio a pessoas em cárcere privado e seus familiares”, contou o artista.
Desali é formado e pós-graduado em Artes Plásticas pela Escola Guignard (UEMG). Seu trabalho transita por múltiplas linguagens, como a fotografia, a ação performativa, o vídeo e a pintura, que tem sido sua principal expressão, na qual utiliza diversas técnicas, como pinturas em acrílica sobre madeira, aguadas sobre tela e a pintura em técnica mista onde a colagem de diversos materiais se mistura com a tinta acrílica em um suporte de tecido e madeira.
Abordando temas como o cotidiano na periferia e a realidade dos jovens negros no Brasil, Desali propõe uma narrativa sobre o presente, pautada pela exclusão social e a segregação dos espaços urbanos nas grandes cidades.
A
arte para redes sociais é de Filipi Filippo, responsável pelas capas de
Caro Vapor, RPAs 3 e 2, e a animação da pintura é de Felipe Macedo, que
já trabalhou com Emicida e Russo Passapusso.